Disciplina se ensina! Entrevista com Lino de Macedo
Revista Nova Escola – Edição junho 2006.
Revista Nova Escola – Edição junho 2006.
''Disciplina é um conteúdo como qualquer outro''
Para o psicólogo especializado em Piaget, o comportamento dos alunos em sala de aula é algo que precisa ser ensinado e varia de acordo com a atividade.
Ao longo da carreira, Lino de Macedo, professor do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, se especializou no
construtivismo do suíço Jean Piaget (1896-1980), na psicologia aplicada à
educação e nos jogos infantis — ele coordena um laboratório de pesquisas e
elaboração de atividades relacionadas às brincadeiras e voltadas para a escola.
Um assunto que ocupa particularmente sua atenção são os estágios de
desenvolvimento da criança e a importância de o professor conhecer o que
acontece em cada fase do crescimento.
Com essa vivência, ele encara um dos temas que mais preocupam os educadores: a disciplina. Segundo o psicólogo, disciplina na escola não é questão de boa conduta nem de formação trazida de casa. "Disciplina se aprende e é do interesse de todo mundo, porque facilita a relação da gente com as coisas." O que o professor pode fazer para que a turma se comporte como deve? O exemplo é um dos caminhos. "Fala-se muito que as crianças de hoje não têm limites. Mas nós, adultos, também não temos." Macedo acaba de lançar uma nova coletânea de textos, Ensaios Pedagógicos, que tem como subtítulo a pergunta Como Construir uma Escola para Todos? Um dos capítulos trata especificamente de disciplina, tema discutido na entrevista a seguir, concedida a ESCOLA, em São Paulo.
Com essa vivência, ele encara um dos temas que mais preocupam os educadores: a disciplina. Segundo o psicólogo, disciplina na escola não é questão de boa conduta nem de formação trazida de casa. "Disciplina se aprende e é do interesse de todo mundo, porque facilita a relação da gente com as coisas." O que o professor pode fazer para que a turma se comporte como deve? O exemplo é um dos caminhos. "Fala-se muito que as crianças de hoje não têm limites. Mas nós, adultos, também não temos." Macedo acaba de lançar uma nova coletânea de textos, Ensaios Pedagógicos, que tem como subtítulo a pergunta Como Construir uma Escola para Todos? Um dos capítulos trata especificamente de disciplina, tema discutido na entrevista a seguir, concedida a ESCOLA, em São Paulo.
É possível ensinar disciplina?
Sim. Disciplina é uma competência escolar que as
crianças aprendem como qualquer conteúdo. Condição para realizar um trabalho
com êxito, é uma matéria interdisciplinar, porque dela dependem todas as
outras.
A disciplina vem de casa?
Para alguns educadores, sim. Quem considera a
disciplina uma coisa que se tem ou não se tem possui uma visão moralizante —
que transforma uma competência numa questão de valor. Para eles, a disciplina
depende da força de vontade do aluno ou da determinação dos pais. Essa visão
atribui culpa em caso de indisciplina. De fato, na escola exclusiva, anterior à
atual, selecionavam-se os alunos e ficavam de fora aqueles que não se ajustavam
ao comportamento desejado. Nesse caso, disciplina era mesmo um pré-requisito
para a escola. Hoje, comportadas ou não, todas as crianças têm direito a
estudar.
Qual o principal erro da escola em relação à disciplina?
É pensar que existe um único tipo de disciplina e que ela só pode ser imposta. Minha idéia é que disciplina é um trabalho de todos em sala de aula. Constrói-se a melhor forma de acordo com a necessidade. Numa aula tradicional, expositiva, enquanto o professor fala ou escreve no quadro-negro, os alunos devem ficar quietos, prestar atenção e copiar. Acontece que hoje temos muitas propostas pedagógicas. Cada cultura escolar e cada atividade em sala de aula têm uma disciplina adequada a seu desenvolvimento. Dependendo da situação, a melhor pode ser o silêncio, as crianças perguntando ou conversando entre si.
Qual o principal erro da escola em relação à disciplina?
É pensar que existe um único tipo de disciplina e que ela só pode ser imposta. Minha idéia é que disciplina é um trabalho de todos em sala de aula. Constrói-se a melhor forma de acordo com a necessidade. Numa aula tradicional, expositiva, enquanto o professor fala ou escreve no quadro-negro, os alunos devem ficar quietos, prestar atenção e copiar. Acontece que hoje temos muitas propostas pedagógicas. Cada cultura escolar e cada atividade em sala de aula têm uma disciplina adequada a seu desenvolvimento. Dependendo da situação, a melhor pode ser o silêncio, as crianças perguntando ou conversando entre si.
É possível ensinar disciplina pelo exemplo?
Sim. Um erro comum é achar que a falta de
disciplina é sempre do outro. Fala-se muito que as crianças de hoje não têm
limites. É verdade. Mas nós, adultos, também não temos. Em uma sociedade como a
nossa, um dia se almoça de manhã, outro dia de tarde, outro dia enquanto se
fala ao celular. Nós é que não temos rotinas para organizar a vida das
crianças. Entendemos os motivos da nossa "indisciplina" porque sabemos
que para muitas pessoas a regularidade se tornou impossível. Mas, se nós não
somos disciplinados, por que esperamos um comportamento regular das crianças,
como se fosse uma coisa natural, espontânea, quase herdada? Podemos conquistar
o aluno para um projeto de disciplina conseguindo a admiração dele. Em sua
origem, a palavra disciplina tem a ver com discípulo. Discípulo é uma pessoa
que tem alguém como modelo e se entrega pelo valor que atribui a essa pessoa.
Com o tempo, perdeu-se o elemento de referência que havia antigamente. Isso tem
de ser novamente conquistado, pouco a pouco, pelos dois lados.
A disciplina que se aprende na escola serve para a vida toda?
A gente tem de pensar a disciplina ao mesmo tempo
como fim e como meio. É um fim porque podemos desenvolver atitudes como
concentração, responsabilidade, interesse. Essas coisas viram ferramentas
pessoais e de trabalho. Disciplina é também um meio, um instrumento sem o qual
as coisas não acontecem — ou acontecem fora do prazo ou dos padrões.
A disciplina ajuda a desenvolver a autonomia?
Disciplina é, cada vez mais, autodisciplina. Um
exemplo é a lição de casa. Hoje em dia a maioria das famílias não tem um adulto
com tempo disponível para fiscalizar o dever. A própria criança aprende a
administrar essa tarefa e, se necessário, ela pede socorro. A autonomia é uma
conquista, um aprendizado complexo e longo pelo qual as crianças desenvolvem a
disciplina para dar conta de suas tarefas.
O que é ser uma pessoa disciplinada?
Ser disciplinado significa ter um comportamento
subordinado a regras. Mas o que é regra? Algo que se constrói por
consentimento. É como em um jogo. As regras são arbitrárias, mas a criança
aceita porque gosta de jogar. Sem regra, não há jogo. Para definir regras,
usamos o recurso da democracia. A classe toda discute, sob a condição de que
todos aceitem o que a maioria decidir. O problema é que a minoria pode se
recusar a cumprir. Deve-se combinar previamente que a não observação das regras
implicará punições ou perdas. Um dos motivos que nos levam a aderir à
disciplina são as conseqüências de não nos entregarmos a ela. Convencer é
diferente de impor.
Todas as obrigações devem ser submetidas a discussão?
Não. Por exemplo: muitos pais perguntam aos filhos
se eles querem comer. Eu não acho que seja uma boa pergunta. Porque, se o filho
disser que não quer comer, como fica? A melhor pergunta é o que ele quer comer,
dando opções. Dar autonomia não significa abrir mão do seu papel de líder e de
responsável por certas coisas. Se você submeter tudo à opinião da maioria das
crianças, a curto prazo elas vão decidir pelo pior. Primeiro, tenta-se
convencer. O último recurso é impor. É errado tentar tratar como homogêneo algo
desigual como a relação adulto e criança ou a relação professor e aluno.
As crianças conseguem entender a importância da disciplina?
Em 1930 Piaget escreveu um livro importante, O
Julgamento Moral da Criança, e mostrou que mesmo as bem pequenas já têm valores
como o gosto pelas regras, pela disciplina, pelo fazer bem-feito e por se
entregar a uma tarefa coletiva. Só que o adulto não percebe. Piaget provou que
é possível ver isso usando o exemplo das brincadeiras. A própria garotada se
auto-regula e se submete a regras coletivas. Piaget analisou como o respeito
entre iguais promove o desenvolvimento da criança. Muitos pais e professores
sabem compartilhar com ela a necessidade de uma regra de forma que a criança
até reclama, mas aceita, entendendo que é o melhor.
Como ensinar a disciplina na pré-escola?
Para alunos da Educação Infantil, digamos de 2 a 6
anos, a brincadeira, a fantasia, as histórias são ótimas estratégias. A
argumentação científica não funciona com os pequenos. O recurso lúdico soa
sincero para a criança, porque é uma espécie de dramatização do assunto, uma
elaboração simbólica da questão. Nessa idade, outro recurso possível é
simplesmente, com habilidade, dar uma ordem e pedir que ela seja cumprida.
Nesse caso, é preciso deixar claro para a criança que há uma diferença entre
ela e o adulto. Ela sabe disso e até se sente aliviada.
Como ensinar a disciplina no Ensino Fundamental?
Como ensinar a disciplina no Ensino Fundamental?
A idade dos 7 aos 11 anos é interessante para
trabalhar disciplina como uma boa regra ou uma regra sem a qual certas coisas
não se desenvolvem bem. O convencimento se dá de forma empírica, com exemplos,
discussão, não mais como faz-de-conta. Uma coisa é o imaginário, outra é a
própria negociação da regra. O problema do convencimento no seu sentido adulto
é que ele supõe um pensamento hipotético-dedutivo ("se você não fizer
isso, acontece aquilo"). Mas crianças com menos de 12 anos não entendem
esse pensamento. É preciso trabalhar com elas a própria construção das regras
mais adequadas para uma determinada tarefa que se espera que realizem.
A disciplina e a ordem podem prejudicar a criatividade?
"O que é regra? Algo que se constrói por consentimento. É como em um jogo. As regras são arbitrárias, mas a criança aceita porque gosta de jogar"
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